Quem tem medo de Photoshop?
Projeto em discussão na Câmara prevê que agências publicitárias informem quando imagem de anúncio for alterada por um software de edição
Publicado em 26/03/2010 Cinthia Scheffer
Os corpos perfeitos e as praias paradisíacas dos anúncio publicitários nem sempre são um retrato da mais pura realidade. Com a tecnologia, as cinturas femininas se afinam, a pele se livra de rugas ou celulites, e o litoral paranaense se transforma na costa do Caribe. São “retoques” comuns – muitas vezes exagerados, é verdade – na criação de um comercial, mas que agora estão na mira de um projeto de lei de autoria do deputado federal Wladimir Costa (PMDB-PA).
Em análise na Câmara dos Deputados, o documento prevê que agências e veículos fiquem obrigados a informar quando a imagem de uma pessoa sofreu algum tipo de alteração feita por programas de edição de imagem – como o Photoshop, o mais popular deles. Pela proposta, as peças devem trazer a mensagem: “Atenção: imagem retocada para alterar a aparência física da pessoa retratada”.
A ideia não chega a ser novidade no mercado publicitário. No ano passado, propostas semelhantes geraram polêmica na França e no Reino Unido. A alegação da deputada Valerie Boyer, autora do projeto francês, é que a medida visa a combater a imagem estereotipada de que todas as mulheres são jovens e bonitas. Em declarações à imprensa internacional, Valerie argumenta também que a anorexia é a doença psiquiátrica que mais mata na França.
Sob argumentos parecidos, o projeto britânico é ainda mais complexo: a deputada Jo Swinson propõe a proibição do uso de imagens manipuladas em anúncios dirigidos ao público menor de 16 anos, e a informação do tipo de alteração nas demais campanhas. Para ela, o foco na aparência feminina está “fora de controle”. “Ninguém tem pele, cabelos e corpos tão perfeitos. No entanto, a maioria das mulheres hoje não aceita nada além da perfeição”, declarou.
Em seu projeto, o deputado brasileiro justifica a medida afirmando que os exageros são cada vez mais constantes nos meios de comunicação, e que eles influenciam “significativamente” na formação dos padrões de beleza, sobretudo femininos. “O resultado dessa saturação de imagens publicitárias é a fixação de um padrão de beleza irreal, no qual a magreza absoluta é intensamente valorizada”, diz o texto.
Polêmica
Um anúncio publicado pela marca de roupas Ralph Lauren no fim do ano passado dá munição aos legisladores. A foto foi alvo de centenas de críticas porque a modelo teria sido tão “emagrecida” pelo Photoshop que ficou com a cabeça maior do que a nova cintura. A marca assumiu o erro e divulgou uma nota pedindo desculpas. “Depois de investigarmos, descobrimos que somos os responsáveis pela imagem e retoques de baixa qualidade que resultaram em uma imagem muito distorcida do corpo de uma mulher. Tomaremos todas as precauções para garantir que nosso trabalho de arte represente a nossa marca apropriadamente”, afirmava a nota.
Bom senso
Essa “gritaria” popular, avalia o diretor do Clube de Criação do Paraná (CCPR), Ricardo Schrappe, diretor da agência Fuego Comunicação, é, em geral, suficiente para conter os exageros no uso desse tipo de recurso. “A publicidade se vale de uma verdade. Mas se ela exagera essa verdade, vai ser punida pelo próprio mercado, naturalmente. O consumidor vai se voltar contra a empresa caso se sinta enganado”, diz. “Uma lei como essa é algo artificial. Vamos proibir a Playboy também, a maior usuária desse recurso? Muito mais nocivo é a maquiagem que se faz em alguns políticos.”
Para todos?
Um outro problema da aplicação da lei é o fato de praticamente todas as imagens usadas hoje em publicidade sofrerem algum tipo de tratamento em programas de edição de imagem. “Quando fazíamos o trabalho em filme, em película, a produção era muito maior e a foto tirada estava praticamente pronta”, diz o fotógrafo publicitário Nuno Papp. “Hoje, é tudo muito mais rápido e você vai, invariavelmente, tratar a imagem antes de usá-la. O Photoshop é uma ferramenta necessária.”
Para o fotógrafo, o consumidor está acostumado com o padrão de beleza que vê nas imagens. “Existem alguns fotógrafos que trabalham com pessoas ao natural. Mas são fotos para situações específicas, que muitos estranhariam se vissem na publicidade tradicional”, diz. “Transformar uma modelo 44 em um corpo 36 é errado, claro. Mas um tratamento de imagem é necessário.”
Esse necessário inclui deixar os olhos da modelo mais abertos, as maçãs do rosto mais altas e rosadas, levantar a sobrancelha ou esconder aquela marca na pele ou aquela veia saltada. “A publicidade sempre se valeu de uma certa liberdade poética. A questão está no bom senso”, completa Schrappe.
Botox
Convidado a comentar o assunto, o diretor de criação da AlmapBBDO, Marcello Serpa, informou que não poderia dar entrevista. Mas fez uma sequência de críticas ao projeto em seu Twitter. “Quem usa botox, pôs silicone, pintou o cabelo, passou batom, usa peruca tem de andar com a placa também?”, questionou.
Punição
A punição prevista no projeto é o pagamento de multas que variam entre R$ 1,5 mil e R$ 50 mil, e podem crescer em caso de reincidência. O governo ainda precisaria definir, no entanto, o órgão responsável pela aplicação das advertências e multas.
O projeto foi apresentado em fevereiro e agora está sujeito a apreciação conclusiva das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Defesa do Consumidor e Constituição, Justiça e Cidadania. Ou seja, a princípio, ele não precisa passar por votação na Câmara. Isso deve acontecer, no entanto, se houver alguma discordância por parte das comissões, ou se um grupo de 51 deputados fizer menção contrária a ele.
Interatividade
Você acha que há abuso na manipulação de imagens publicitárias? Se sim, ela pode ser coibida por uma lei?
Escreva para [email protected]
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Publicado em 26/03/2010 Cinthia Scheffer
Os corpos perfeitos e as praias paradisíacas dos anúncio publicitários nem sempre são um retrato da mais pura realidade. Com a tecnologia, as cinturas femininas se afinam, a pele se livra de rugas ou celulites, e o litoral paranaense se transforma na costa do Caribe. São “retoques” comuns – muitas vezes exagerados, é verdade – na criação de um comercial, mas que agora estão na mira de um projeto de lei de autoria do deputado federal Wladimir Costa (PMDB-PA).
Em análise na Câmara dos Deputados, o documento prevê que agências e veículos fiquem obrigados a informar quando a imagem de uma pessoa sofreu algum tipo de alteração feita por programas de edição de imagem – como o Photoshop, o mais popular deles. Pela proposta, as peças devem trazer a mensagem: “Atenção: imagem retocada para alterar a aparência física da pessoa retratada”.
A ideia não chega a ser novidade no mercado publicitário. No ano passado, propostas semelhantes geraram polêmica na França e no Reino Unido. A alegação da deputada Valerie Boyer, autora do projeto francês, é que a medida visa a combater a imagem estereotipada de que todas as mulheres são jovens e bonitas. Em declarações à imprensa internacional, Valerie argumenta também que a anorexia é a doença psiquiátrica que mais mata na França.
Sob argumentos parecidos, o projeto britânico é ainda mais complexo: a deputada Jo Swinson propõe a proibição do uso de imagens manipuladas em anúncios dirigidos ao público menor de 16 anos, e a informação do tipo de alteração nas demais campanhas. Para ela, o foco na aparência feminina está “fora de controle”. “Ninguém tem pele, cabelos e corpos tão perfeitos. No entanto, a maioria das mulheres hoje não aceita nada além da perfeição”, declarou.
Em seu projeto, o deputado brasileiro justifica a medida afirmando que os exageros são cada vez mais constantes nos meios de comunicação, e que eles influenciam “significativamente” na formação dos padrões de beleza, sobretudo femininos. “O resultado dessa saturação de imagens publicitárias é a fixação de um padrão de beleza irreal, no qual a magreza absoluta é intensamente valorizada”, diz o texto.
Polêmica
Um anúncio publicado pela marca de roupas Ralph Lauren no fim do ano passado dá munição aos legisladores. A foto foi alvo de centenas de críticas porque a modelo teria sido tão “emagrecida” pelo Photoshop que ficou com a cabeça maior do que a nova cintura. A marca assumiu o erro e divulgou uma nota pedindo desculpas. “Depois de investigarmos, descobrimos que somos os responsáveis pela imagem e retoques de baixa qualidade que resultaram em uma imagem muito distorcida do corpo de uma mulher. Tomaremos todas as precauções para garantir que nosso trabalho de arte represente a nossa marca apropriadamente”, afirmava a nota.
Bom senso
Essa “gritaria” popular, avalia o diretor do Clube de Criação do Paraná (CCPR), Ricardo Schrappe, diretor da agência Fuego Comunicação, é, em geral, suficiente para conter os exageros no uso desse tipo de recurso. “A publicidade se vale de uma verdade. Mas se ela exagera essa verdade, vai ser punida pelo próprio mercado, naturalmente. O consumidor vai se voltar contra a empresa caso se sinta enganado”, diz. “Uma lei como essa é algo artificial. Vamos proibir a Playboy também, a maior usuária desse recurso? Muito mais nocivo é a maquiagem que se faz em alguns políticos.”
Para todos?
Um outro problema da aplicação da lei é o fato de praticamente todas as imagens usadas hoje em publicidade sofrerem algum tipo de tratamento em programas de edição de imagem. “Quando fazíamos o trabalho em filme, em película, a produção era muito maior e a foto tirada estava praticamente pronta”, diz o fotógrafo publicitário Nuno Papp. “Hoje, é tudo muito mais rápido e você vai, invariavelmente, tratar a imagem antes de usá-la. O Photoshop é uma ferramenta necessária.”
Para o fotógrafo, o consumidor está acostumado com o padrão de beleza que vê nas imagens. “Existem alguns fotógrafos que trabalham com pessoas ao natural. Mas são fotos para situações específicas, que muitos estranhariam se vissem na publicidade tradicional”, diz. “Transformar uma modelo 44 em um corpo 36 é errado, claro. Mas um tratamento de imagem é necessário.”
Esse necessário inclui deixar os olhos da modelo mais abertos, as maçãs do rosto mais altas e rosadas, levantar a sobrancelha ou esconder aquela marca na pele ou aquela veia saltada. “A publicidade sempre se valeu de uma certa liberdade poética. A questão está no bom senso”, completa Schrappe.
Botox
Convidado a comentar o assunto, o diretor de criação da AlmapBBDO, Marcello Serpa, informou que não poderia dar entrevista. Mas fez uma sequência de críticas ao projeto em seu Twitter. “Quem usa botox, pôs silicone, pintou o cabelo, passou batom, usa peruca tem de andar com a placa também?”, questionou.
Punição
A punição prevista no projeto é o pagamento de multas que variam entre R$ 1,5 mil e R$ 50 mil, e podem crescer em caso de reincidência. O governo ainda precisaria definir, no entanto, o órgão responsável pela aplicação das advertências e multas.
O projeto foi apresentado em fevereiro e agora está sujeito a apreciação conclusiva das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Defesa do Consumidor e Constituição, Justiça e Cidadania. Ou seja, a princípio, ele não precisa passar por votação na Câmara. Isso deve acontecer, no entanto, se houver alguma discordância por parte das comissões, ou se um grupo de 51 deputados fizer menção contrária a ele.
Interatividade
Você acha que há abuso na manipulação de imagens publicitárias? Se sim, ela pode ser coibida por uma lei?
Escreva para [email protected]
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.